domingo, 24 de março de 2013

A cultura da desilusão


Até que ponto podemos manter uma ilusão latente sobre os nossos anseios quando constantemente somos frustrados, desconsiderados e ridicularizados?


Quando decido escrever sobre algum tema, seja ele qual for, prefiro sempre lançar o meu olhar sobre a etimologia da palavra, a curiosidade aponta para o que aquele termo escolhido tem a falar na sua essência. É um caminho surpreendente, pois a partir das definições primárias, a minha capacidade de reflexão se potencializa e a oportunidade de compartilhar com o leitor ganha um poder incalculável.
Após alguns dias de intensa observação e também de análise das muitas experiências dos últimos anos, quiçá de uma vida inteira, tenho percebido que dois vocábulos diferentes na significação estão não somente andando de mãos dadas, como muito bem casados, digo assim para trazer uma imagem poética da situação que no fundo me deixa preocupado, e, portanto, me faz escrever.
O nosso ponto de partida é a palavra “cultura”, do latim colere significa cultivar, é uma definição ampla na sua origem, mas que ao longo da história ganhou mais especificidades pelos grandes pensadores em suas devidas áreas, são ao menos 200 tentativas. Quero pensá-la aqui como um hábito, uma crença analisada e uma postura consciente diante do que vemos do mundo.
Outra palavra que acrescento nesta reflexão é “desilusão”, variante de ilusão que vem do verbo em latim illudo (divertir-se, recrear-se, também burlar e enganar). Iludir se configurou na língua portuguesa com o sentido de uma impressão enganosa ou ter a esperança de algo desejável. Sendo assim, posso definir desilusão como a perda temporária ou definitiva desta esperança, independentemente do grau, há sempre a presença da decepção, uma palavra calejada e muito conhecida quando o assunto é conquistas culturais e suas atribuições em todos os âmbitos.
Até que ponto podemos manter uma ilusão latente sobre os nossos anseios quando constantemente somos frustrados, desconsiderados e ridicularizados? Posso acreditar que haverá crescimento moral, intelectual, físico e até mesmo espiritual do ser humano com teatros fechados, interditados, inacabados ou em ruínas? Difícil. Existe a possibilidade de artistas de todas as áreas serem respeitados, ouvidos e dignificados? Ainda não a vejo. As instituições das diferentes esferas (federal, estadual, municipal e iniciativa privada) algum dia conseguirão dialogar, negociar, ceder, oferecer e promover a arte e a cultura¿ Um “talvez” muito tímido grita dentro de mim. O dinheiro público será respeitado como deveria quando o destino dele for para obras e projetos culturais? A dúvida é sempre maior.
Mergulhado nestas e outras tantas questões relacionadas me autodiagnostiquei com a moléstia que denomino “cultura da desilusão”, porém terei chances de cura quando não usarem a cultura para autopromoção de governos, quando um professor de artes for respeitado por alunos, pais e outros professores, quando todos os espaços culturais estiverem em pleno funcionamento, quando um artista recém-formado em universidade tiver perspectivas de trabalho, quando a população não for mais enganada com falsas beneces, trapaceada e subestimada na sua credulidade de dias melhores, e mais ainda, quando a arte e cultura não forem tratadas com migalhas pelos que têm a ilusão de não precisarem dela para evoluir suas almas. Até quando vai perdurar essa desilusão catastrófica? Existe mesmo a cura? Que a luta nos seja o remédio.

Eduardo Humbertto
Uberlândia (MG)
eduardohumbertto@hotmail.com

FONTE:
Jornal CORREIO de Uberlândia
http://www.correiodeuberlandia.com.br/pontodevista/2013/03/24/a-cultura-da-desilusao/