terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Beth e Clarice: Simplesmente


          Uberlândia teve o privilégio de receber nos palcos do Teatro Municipal um dos espetáculos mais aplaudidos e premiados dos últimos anos, seja pela crítica especializada (teatral e literária) e também pelo público em geral. Em dezembro de 2013, o Circuito Grande Otelo finalizou sua temporada na cidade com teatro de altíssima qualidade e com um público ávido por novas experiências artísticas.
          A atriz Beth Goulart encantou de maneira muito delicada e ao mesmo tempo profunda, com o seu monólogo “Simplesmente Eu, Clarice Lispector”. No qual também é responsável pela seleção dos textos, sua transposição à cena e pela própria direção. A soma das funções engrandeceu a encenação, de modo a deixar marcadas as personalidades tanto de Clarice quanto de Beth, na medida em que as duas se misturavam na coragem e no profissionalismo da atriz e na personalidade forte e qualidade dos textos da escritora. A impecável atuação de Beth Goulart propiciou ao público a oportunidade de se conhecer a escritora além do mito.       Clarice sempre foi alvo de especulações e suas obras elevadas a um patamar merecido, porém, que parece fugir do nosso alcance, quando deveria ser o contrário. O teatro mesmo sendo um fenômeno efêmero, encontrou neste projeto condições favoráveis de vislumbrar a vida e obra de uma escritora que sempre se questionou, analisou e buscou vida no ato de escrever. Clarice mesmo dizia: “A palavra é meu domínio sobre o mundo”, esta inquietação que ela sempre expressou em vida é delineada de forma cuidadosa e muito poética, o que resultou na coerência da escolha dos fragmentos de textos, entrevistas e personagens da escritora.
            O cenário de Ronald Teixeira e Leobruno Gama sugere a sutileza do necessário e funcional, o branco predominante nas paredes que parecem abraçar o palco, é também uma tela pronta para as pinceladas de Beth e Clarice, tão bem pontuadas com a iluminação de Maneco Quinderé. Esta metáfora fez com que o processo criativo artístico e literário pulsasse em todas as ações que foram se sucedendo ao longo do espetáculo.
            Um quesito da encenação que chama bastante a atenção é a gestualidade. Sob a direção de movimento de Márcia Rubin, Beth Goulart é precisa: a emoção pontua os gestos com tons harmoniosos, as transições entre a escritora e seus personagens são desenhadas com movimentos limpos e cabíveis, o que demonstra um estado de presença muito forte da atriz e como todo o conjunto de linguagem corporal ganha sentido com a sua intenção e tranquilidade na execução.
            Com todos os atributos, méritos e conquistas já mencionados, este espetáculo vai além de ser uma reverência a uma das maiores escritoras do século 20. “Simplesmente Eu, Clarice Lispector, é acima de tudo, uma homenagem à língua portuguesa, idioma que ela mesma tinha tanta sintonia e veneração quando dizia: “Eu amo a língua portuguesa, ela é um verdadeiro desafio para quem escreve.Eu queria que ela chegasse ao máximo em minhas mãos”.
            Por essas palavras, nota-se a importância da contribuição que Clarice deixou e o porquê seu nome será sempre lembrado quando o assunto for literatura brasileira e devoção ao ato de escrever. Beth Goulart, por sua vez, merecidamente deixa sua marca na história do teatro brasileiro por um trabalho onde o requinte foi amparado pela simplicidade em constante aprimoramento.


Eduardo Humberto Ferreira
Ator, graduado em Teatro (UFU)
eduardohumbertof@yahoo.com

Fonte: http://www.correiodeuberlandia.com.br/pontodevista/2014/01/27/beth-e-clarice-simplesmente/