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Até que ponto podemos manter uma ilusão latente sobre os nossos anseios quando constantemente somos frustrados, desconsiderados e ridicularizados? |
Quando decido escrever sobre algum tema, seja
ele qual for, prefiro sempre lançar o meu olhar sobre a etimologia da palavra,
a curiosidade aponta para o que aquele termo escolhido tem a falar na sua
essência. É um caminho surpreendente, pois a partir das definições primárias, a
minha capacidade de reflexão se potencializa e a oportunidade de compartilhar
com o leitor ganha um poder incalculável.
Após alguns dias de intensa observação e
também de análise das muitas experiências dos últimos anos, quiçá de uma vida
inteira, tenho percebido que dois vocábulos diferentes na significação estão
não somente andando de mãos dadas, como muito bem casados, digo assim para
trazer uma imagem poética da situação que no fundo me deixa preocupado, e,
portanto, me faz escrever.
O nosso ponto de partida é a palavra “cultura”,
do latim colere significa cultivar, é
uma definição ampla na sua origem, mas que ao longo da história ganhou mais
especificidades pelos grandes pensadores em suas devidas áreas, são ao menos
200 tentativas. Quero pensá-la aqui como um hábito, uma crença analisada e uma
postura consciente diante do que vemos do mundo.
Outra palavra que acrescento nesta reflexão é
“desilusão”, variante de ilusão que vem do verbo em latim illudo (divertir-se, recrear-se, também burlar e enganar). Iludir
se configurou na língua portuguesa com o sentido de uma impressão enganosa ou
ter a esperança de algo desejável. Sendo assim, posso definir desilusão como a
perda temporária ou definitiva desta esperança, independentemente do grau, há
sempre a presença da decepção, uma palavra calejada e muito conhecida quando o assunto
é conquistas culturais e suas atribuições em todos os âmbitos.
Até que ponto podemos manter uma ilusão
latente sobre os nossos anseios quando constantemente somos frustrados,
desconsiderados e ridicularizados? Posso acreditar que haverá crescimento
moral, intelectual, físico e até mesmo espiritual do ser humano com teatros
fechados, interditados, inacabados ou em ruínas? Difícil. Existe a
possibilidade de artistas de todas as áreas serem respeitados, ouvidos e
dignificados? Ainda não a vejo. As instituições das diferentes esferas
(federal, estadual, municipal e iniciativa privada) algum dia conseguirão
dialogar, negociar, ceder, oferecer e promover a arte e a cultura¿ Um “talvez”
muito tímido grita dentro de mim. O dinheiro público será respeitado como
deveria quando o destino dele for para obras e projetos culturais? A dúvida é
sempre maior.
Mergulhado nestas e outras tantas questões
relacionadas me autodiagnostiquei com a moléstia que denomino “cultura da
desilusão”, porém terei chances de cura quando não usarem a cultura para
autopromoção de governos, quando um professor de artes for respeitado por
alunos, pais e outros professores, quando todos os espaços culturais estiverem
em pleno funcionamento, quando um artista recém-formado em universidade tiver
perspectivas de trabalho, quando a população não for mais enganada com falsas beneces,
trapaceada e subestimada na sua credulidade de dias melhores, e mais ainda,
quando a arte e cultura não forem tratadas com migalhas pelos que têm a ilusão
de não precisarem dela para evoluir suas almas. Até quando vai perdurar essa
desilusão catastrófica? Existe mesmo a cura? Que a luta nos seja o remédio.
Eduardo Humbertto
Uberlândia (MG)
eduardohumbertto@hotmail.com
FONTE:
Jornal CORREIO de Uberlândia
http://www.correiodeuberlandia.com.br/pontodevista/2013/03/24/a-cultura-da-desilusao/