terça-feira, 14 de junho de 2011

Da Culpa

Por SHYRLEY PIMENTA
FONTE: http://www.correiodeuberlandia.com.br/pontodevista/2011/06/14/da-culpa/


Compreender a totalidade do ser é o nosso grande desafio. Daí a necessidade de refletirmos sobre a dimensão da culpa, sobretudo a própria, superando o medo de nos depararmos com segredos, guardados a sete chaves. Tal reflexão se torna mais urgente diante da perplexidade, da desorientação, da dissolução dos parâmetros éticos, que tão bem caracterizam nossa frenética modernidade urbana, industrial e tecnológica.
A crueldade e a injustiça, nos seus mais variados níveis e formas, habitam o coração humano. Traições, mentiras, astúcias, arbitrariedades são a matéria-prima da qual se tecem as trajetórias e os descaminhos dos homens, responsáveis pelo caráter brutal das realidades sociais.

E não estamos falando de uma pretensa culpa coletiva, que tende a diluir no tempo, no espaço e na memória o sentimento de culpa de cada indivíduo. Também não basta buscar abrigo, o alívio ilusório das próprias culpas, nos valores religiosos de igrejas, atualmente tão disfuncionais. E se aquietar, apaziguado, conformado, consolado.

Para conhecer e metabolizar a culpa, a palavra certa é abismo. Há que mergulhar fundo nas próprias inquietações e perplexidades, nas angústias e conflitos, nos sentimentos difíceis de cada dia. E não existem mensagens salvadoras. Cada um é responsável por superar as arestas do próprio destino. No máximo, nessa árdua tarefa, é possível estender a mão uns aos outros, como cúmplices ambíguos, que manipulam e se aproveitam dos papéis que desempenham nessa comédia humana. Não há como escapar das dualidades fáceis e cômodas, pois nenhum de nós é simplesmente vítima passiva. Nenhum de nós é, apenas, herói ou bandido.

Portanto, estamos todos convidados à incômoda tarefa de recitar o próprio “confiteor”. Para tanto, usamos a palavra – que celebra a memória – na luta para preservar do esquecimento o passado e suas marcas de violência e tortura, em grandes ou pequenas escalas. Assim sendo, abrimos mão da apatia, do silêncio conformista, da tendência a “esquecer” ou relativizar o mal praticado. Precisamos, a qualquer custo, impedir a destruição da nossa capacidade de refletir, para que não nos implantem próteses definidoras de “bem” e de “mal”, ao sabor das conveniências e dos interesses, próprios ou alheios.

Nisso, também, a arte pode ajudar-nos, já que ela reproduz, com rara propriedade, as razões obscuras que motivam os homens a pensar, sentir e agir, para o bem ou para o mal. A poesia, por exemplo, cria em nós um espaço livre para a indagação, a expressão do desejo, o perdão, a reconciliação, a alegria, a esperança.
E, nesse processo de autodescoberta (onde foi mesmo que eu perdi o fio da meada?), a Psicanálise é fundamental. Ultrapassando as explicações, aparentemente lógicas, a Psicanálise desnuda nossas motivações inconscientes: nosso narcisismo exacerbado, nosso apreço exagerado pelo exercício do poder, nossa sede exagerada de lucro, a crença de que somos todo-poderosos, de que estamos acima da lei, acima do bem e do mal. Tenhamos em mente: a vida é uma frágil elegia, mas tudo o que se perde e passa, de cada breve momento jamais se apaga. (Alberto da Costa e Silva).

Shyrley Pimenta
Uberlândia (MG)
ivsant@terra.com.br

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